Devemos ter medo da Inteligência Artificial?

A Inteligência Artificial chegou com o pé na porta e mostrou o seu poder. Será que ela será usada para o mal? Será que vai acabar com os empregos?

Faz cerca de um ano que o ChatGPT mostrou ao mundo o poder da Inteligência Artificial generativa. Estávamos acostumados com câmeras reconhecendo faces e algoritmos de recomendação de conteúdo ou produtos. Mas a IA generativa mostrou que as máquinas podem ir muito além do que estávamos acostumados. Ela pode sugerir roteiros de viagens, criar poemas, propor leis, pautas de reunião, tirar boas notas em provas, entre outras coisas. Também começaram a surgir IAs generativas para imagens, músicas e até filmes. Rapidamente, investidores, empreendedores e a população em geral perceberam que não estavam diante de apenas mais uma tecnologia. Havia algo diferente, que poderia mudar drasticamente a forma como trabalhamos e vivemos, em geral.

Sabemos que tudo o que é novo traz medo. Não seria diferente desta vez. Tanto que figuras importantes do mundo, como Elon Musk e Yuval Harari, assinaram uma carta pedindo para que a corrida em torno da IA fosse pausada por 6 meses. Seria preciso um tempo para investigar os impactos da nova tecnologia. Sabemos que políticos adoram regular e frear novas tecnologias, pois é uma forma de posar de bonzinhos contra os supostos capitalistas malvadões - na verdade, eles morrem de medo da inovação. Mas chama a atenção que a carta foi assinada por empresários da iniciativa privada.

Será que a IA realmente está colocando a sociedade em risco? Quais seriam seus principais efeitos?

O primeiro medo é da IA acabar com a maioria dos empregos humanos. Ou então, mesmo que não acabe com a maioria dos empregos, poderia gerar uma parcela da população inútil economicamente. Ela ficaria sempre desempregada, pois as máquinas estariam fazendo todo o trabalho. Vamos nos debruçar sobre esta questão.

Primeiro vale olhar para a história. Tecnologias revolucionárias já foram criadas, como o motor a vapor, a energia elétrica e a internet. Obviamente, todas essas tecnologias destruíram empregos, afinal, não vemos mais acendedores de lampiões por aí, e nem cocheiros guiando carroças pela cidade. Mesmo assim, todas essas tecnologias criaram muito mais empregos do que destruíram. Por exemplo, a Apple, Google e Microsoft juntas empregam mais de 500 mil pessoas - isso sem contar os negócios criados indiretamente pelo impacto de seus produtos e tecnologias. Essas empresas não fariam sentido num mundo pré-energia elétrica.

Outro fator que favorece os trabalhadores é o aumento da produtividade em geral. Quanto mais o mundo é produtivo, e as tecnologias ajudam muito, mais o trabalho humano se torna valioso. Imagine Robinson Crusoé numa ilha deserta. Ele pode trabalhar o dia inteiro, mas só vai poder consumir alguns peixes, raízes e construir uma casa de madeira e barro. Nós, que vivemos em uma economia complexa, podemos trabalhar 8 horas por dia e viver em casas de tijolo, com água encanada, energia elétrica e uma dispensa com variados produtos do supermercado. Não que a gente trabalhe mais duro que Robinson Crusoé, mas que o valor do nosso trabalho, em comparação a outros bens, é muito maior.

O famoso economista Milton Friedman uma vez contou uma história de um dia que visitou uma obra. Tinham vários operários cavando um grande buraco. Ele ficou curioso e perguntou para o engenheiro porque eles não estavam usando trator em vez de pás. Seria muito mais eficiente. O engenheiro respondeu que se usasse trator, acabaria com milhares de empregos. Então, Friedman questionou: "Ora, por que não usar colheres em vez de pás? Desta forma, se geraria muito mais empregos!"

Essa história mostra como é ilógico abrir mão da produtividade para preservar empregos. Uma economia mais próspera é benéfica para todos. E o trabalho humano é um fator de produção pouco específico. Um ser humano consegue migrar de áreas e trabalhar em tarefas diferentes. Claro que tem profissões com barreiras de entrada maiores ou menores. Mas o mercado se ajusta e as pessoas são atraídas para as áreas com maior oferta de empregos. Aos poucos começam a surgir diversos cursos para as áreas mais quentes, e a força de trabalho se qualifica para o que agora é o mais produtivo. Basta ver a quantidade de cursos de programação que surgiram nos últimos tempos.

Um ponto muitas vezes ignorado é que o próprio governo é o maior causador de desemprego, quando aumenta desnecessariamente o custo do empregador para contratar funcionários, com políticas de salário mínimo, encargos trabalhistas, insegurança jurídica e burocracia. Definitivamente, o governo pode atrasar a autorregulação do mercado, dificultando que as pessoas demitidas sejam recontratadas.

Mas seria a IA diferente das outras tecnologias? Agora temos máquinas que não somente agem em tarefas fixas, mas simulam a própria inteligência humana. Bom, em primeiro lugar, a IA é mais fixa do que parece. Por mais que ela consiga gerar diferentes tipos de textos, ou imagens, isso ainda é algo específico. O ChatGPT tem um algoritmo que consegue gerar a próxima palavra de um texto, com base nas palavras anteriores. Isso o faz parecer inteligente de verdade. Mas, na verdade, é só uma questão de prever palavras com base em estatística. Não há inteligência de fato. A inteligência geral, que seria uma IA que sabe fazer tudo, está muito distante da realidade atual.

Mesmo que a IA consiga adiantar boa parte do trabalho, ainda será necessário que seres humanos criem os prompts corretos, integrem sistemas diferentes e validem o resultado gerado. As ferramentas de IA estão se mostrando ótimas copilotos, mas ainda estão longe de substituir todo o trabalho humano no mundo real.

Outro alegado medo do uso das IAs, ainda na questão de empregos, é que elas acabem com os empregos de colarinho branco, ou seja, os empregos de classe média. Haveria então, nesse cenário, um crescimento da desigualdade social, a riqueza da classe média iria para os ricos, e a proporção de pessoas pobres cresceria. Aliás, foi exatamente isso que aconteceu na URSS e em Cuba, os ditos defensores da igualdade foram campeões em gerar desigualdade. Realmente, o que muitos socialistas acusam as IAs de fazerem, é exatamente o que ditadores socialistas sempre fizeram!

Este é mais um mito, pois da mesma forma que empregos serão perdidos, novos serão criados. Vamos pensar no caso de um jornal. Agora é preciso menos jornalistas para fazer uma matéria, já que parte da escrita pode ser feita por IA. O efeito disso é que agora vai ser possível um jornal produzir mais artigos de qualidade, então os jornais vão competir para gerar mais artigos que o outro, atendendo a demanda das pessoas. Além disso, outras empresas que não eram de jornalismo também vão poder se aventurar nesse ramo, o que também vai gerar novas vagas de emprego e mais competição no mercado.

Ainda assim, imagine que de fato a IA tenha roubado os empregos da classe média. Nesse caso, a empresa lucraria mais. Você sabe o que acontece quando uma empresa ou setor começa a lucrar muito? Isso é como jogar um chocolate perto de um formigueiro. O investimento é como formiga atrás de doce. Rapidamente o investimento flui para o setor lucrativo, gerando mais negócios e oportunidades, sem mencionar que a concorrência aumenta. Isso, por sua vez, aumenta os salários e as vagas de emprego.

Já que falamos bastante do lado econômico da coisa, vamos agora falar de outros medos que circulam por aí.

O primeiro é o racismo, que o Gemini, ferramenta de IA do Google para gerar imagens, tentou combater de forma ridícula e passou vergonha na internet. Eles queriam aumentar a representatividade das minorias, então alteraram a IA para favorecer aparências não europeias em representações de pessoas. Com isso, a IA gerou imagens de papas negros ou vikings orientais, o que obviamente gerou muitos memes na internet.

A IA é treinada com as imagens da internet, e vai refletir as imagens que tem lá. Se tiverem mais imagens de brancos, a IA vai ter tendência maior a representar brancos. Mas seria isso racismo? De forma alguma. Sempre algum grupo vai ser minoritário em algum lugar, dado que seres humanos não se distribuem homogeneamente. A solução é aceitar o diferente, e não tentar fazer com que todos os lugares, ou representações, tenham artificialmente a mesma quantidade de cada etnia. Criar representatividade de forma forçada, além de criar situações ridículas, como vikings asiáticos de pele escura, tira a força da própria representatividade. Alguém de uma minoria, que vê alguém parecido em certa posição, não sabe mais se a pessoa chegou lá naturalmente ou de forma artificial.

Outra questão que apareceu recentemente é sobre o padrão de beleza. Uma propaganda da Dove se colocou contra "o padrão de beleza que a IA impõe". Essa alegação não faz o menor sentido. Primeiro que a IA não impõe nada. Como já falamos, ela é treinada com conteúdos que humanos geraram. Então, ela só reflete o que a sociedade expressa sobre beleza nas redes. Fora que ninguém é obrigado, e nem deve, considerar a IA como dona da verdade. Não é porque a IA disse que uma mulher é bonita de uma forma, que você tem que concordar. Além disso, é natural que se formem padrões de beleza na sociedade. Parte da causa é biológica e parte é cultural. O importante é que as pessoas aprendam a ter autoestima, e gostem de si mesmas. E não tentar mudar a opinião de todos os outros e dizer que suas preferências são ilegítimas.

Muitas das críticas ao conteúdo gerado por IA partem de valores distorcidos. Temos que tratar as pessoas como seres pensantes, que são responsáveis por suas decisões. E não como pessoas hipossuficientes que não sabem lidar com informação. Claro que muitas vezes a IA vai alucinar, ou seja, dar informações completamente erradas. Mas cabe ao usuário da ferramenta avaliar a informação gerada. Claro que muitas vezes a resposta da IA vai ter vieses. Aliás, converse com o ChatGPT sobre política e veja como muitas vezes ele se parece um socialista, sugerindo que o governo deva regular tudo, e sempre legitimando o estado. Mesmo assim, está tudo bem, não há motivo algum para pânico ou censura, até porque, ele já opera dentro de certos limites do senso comum. Os consumidores naturalmente criam maturidade quanto ao uso da tecnologia, e a concorrência também gera modelos cada vez melhores para cada nicho, desde que o mercado seja livre para inovar. Por tudo isso, é um perigo permitir que os políticos, inúteis como sempre, criem leis que restrinjam a busca por melhoria e inovação nesse setor tão revolucionário e disruptivo.

Enfim, mesmo sendo otimista sobre a IA, tem um perigo que de fato existe: o uso da tecnologia a favor do autoritarismo. Esse, sim, é um perigo real, que o mercado por si só não resolve naturalmente. Um exemplo é que o governo da China criou um sistema de vigilância em massa, com câmeras CCTV. Tipo essas que monitoram o trânsito no Brasil. Só que lá, elas têm reconhecimento facial, e o governo usa para pegar criminosos, tanto de crimes reais como críticos do governo ditatorial. Outro vídeo aqui do Visão Libertária mostrou como um parlamentar criou um projeto de lei com o ChatGPT. O governo ficando mais eficiente significa maior capacidade de oprimir e roubar a população, e até de controlar nossos recursos, como sugere o novo Real Digital, o CBDC. Ainda assim, continuo sendo otimista. A popularização da IA vai dar grande poder ao indivíduo, e milhões agindo para alcançar seus interesses são mais poderosos do que uma entidade autoritária.

Referências:

https://www.showmetech.com.br/carta-contra-ai-elon-musk-especialistas-pausa/
https://olhardigital.com.br/2023/04/12/pro/twitter-musk-compra-milhares-de-gpus-para-criar-ia/
https://en.wikipedia.org/wiki/Standard_Oil
https://companiesmarketcap.com/tech/largest-tech-companies-by-number-of-employees/
https://www.vox.com/future-perfect/2024/2/28/24083814/google-gemini-ai-bias-ethics
https://www.dove.com/br/historias-Dove/campanhas/keep-beauty-real.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Mass_surveillance_in_China