No show da Taylor Swift, cambistas cobraram até 12 mil reais em um único ingresso. Os políticos veem situações como essa e correm para criar leis. Será que essa é a melhor forma de se resolver o problema? Mas será mesmo que o cambismo é um problema real?
Foi aprovada na Câmara dos Deputados uma lei que estabelece novas penalidades para o cambismo. Agora, os cambistas terão pena de 1 a 2 anos de prisão e multa de 50 vezes o valor do ingresso. Se alguém estiver no esquema, mesmo não fazendo diretamente a venda, terá pena ainda maior, o que é assustador. Aqueles que fornecerem, facilitarem ou desviarem ingressos para cambistas enfrentarão pena de 1 a 3 anos e multa de 100 vezes o valor do ingresso. A lei também cria algumas regras para a venda online. As empresas deverão ter algum tipo de gerenciamento de fila no site e exibir informações como o valor dos ingressos e procedimentos para devolução e reembolso.
O cambismo já é crime para eventos esportivos há bastante tempo. Mas agora a lei vai abranger outros tipos de evento e vai entrar na lei 1521 do Getúlio Vargas, como uma contravenção contra a economia popular. Pois é, já começamos a sentir o cheiro de getulismo nessa nova lei, que coisa mais retrógrada! É a triste ânsia socialista de regular ao máximo a economia, supostamente em nome do povo, mas somente prejudicando quem visa ser beneficiado. É interessante notar que o deputado que criou a lei era do partido considerado de direita, o Patriotas. Fica claro que nem sempre a direita defende a liberdade econômica, muitas vezes demonstrando uma falta de conhecimento absurdo em relação às leis e dinâmicas do mercado.
Antes de entrar no mérito do cambismo em si, vamos falar de duas práticas, essas, sim, verdadeiramente criminosas que muitas vezes acompanham o cambismo. A primeira é a falsificação de ingressos. É bastante claro que produzir ou vender um ingresso falso é fraude, deve ser crime, nenhum cliente compraria por livre e espontânea vontade um ingresso falso. Ele fere a propriedade privada de quem o compra, pois cobra dinheiro e não entrega o prometido, sendo uma espécie de roubo, tendo como resultado o impedimento na entrada do evento.
A segunda prática é o desvio de ingressos. Funcionários desviam ingressos de cortesia ou comuns, que iriam para a venda oficial, para a mão de cambistas. Estes fazem a venda e conseguem 100% de lucro, já que não precisam nem comprar os ingressos. Essa prática, claramente, é um roubo à empresa que realiza o evento. No caso de ingresso de cortesia, é um roubo àqueles que receberiam o ingresso, caso não houvesse desvio.
Aconteceu um caso desses em 2023. A Suderj, que é o órgão responsável pelos contratos de complexos esportivos do estado do Rio de Janeiro, recebia 860 ingressos por jogo no Maracanã para distribuir para pessoas de baixa renda, jovens, idosos e pessoas com deficiência e grupos sociais vulneráveis. Os ingressos eram desviados para cambistas que chegavam a vender ingressos por até 7 mil reais em jogos da Libertadores. Não é de se espantar que haja corrupção em órgãos públicos, nada novo sob o sol. Diferentemente de uma empresa privada, que tem um dono claro, que sempre vai fiscalizar o seu patrimônio, o dinheiro público é de todos, e, na prática, acaba sendo de ninguém. Desta forma, ele se torna muito mais suscetível à corrupção.
Vamos, então, analisar o cambismo em si, que é a prática de comprar ingressos a um preço e revender por um preço mais alto. Podemos reparar que comprar algo para revender em uma possível valorização é uma prática extremamente comum. Ela também é conhecida como especulação, ou arbitragem. Diariamente há pessoas comprando ações, imóveis e commodities com esperança de vender futuramente a um preço mais alto. Não há nada de errado nisso, aliás, essa atividade tem o seu papel na economia.
Primeiramente, essa atividade aumenta a liquidez dos ativos no mercado. Se você quiser comprar uma ação, provavelmente poderá fazer isso instantaneamente, já que a todo momento há gente comprando e vendendo ações. Caso não houvesse especuladores, provavelmente você teria que esperar mais tempo para conseguir realizar uma compra ou uma venda. Esse conceito também se aplica a ingressos de eventos. A partir do momento que todos os ingressos foram vendidos, quem não conseguiu comprar vai ficar de mãos abanando. Se houver mercado de segunda mão, é possível convencer alguém a revender o seu ingresso. Com a valorização do ingresso, certamente pessoas que até iam ao evento, mas não são tão fãs assim da banda, podem revender o seu ingresso a alguém mais disposto a ir. Isso sem citar os casos de arrependimentos de compra e desistência, portanto, não há nada de errado, nesses casos, no comprador querer fazer a revenda do ingresso.
Outro papel da arbitragem na economia é acelerar o preço de equilíbrio. Como você sabe, os preços no mercado são formados a partir da oferta e demanda. Quando os preços estão abaixo do equilíbrio da oferta e demanda, rapidamente surgem árbitros que compram o produto com o objetivo de revender a preço maior. Isso faz com que seja percebido que o preço está baixo e seja ajustado. No caso de eventos, se for permitido um mercado de segunda mão de ingressos, os produtores de eventos saberão com mais clareza qual é o preço ideal para os próximos eventos, já que o mercado vai mostrar naturalmente qual é o preço de equilíbrio.
Bom, por mais que por essência o cambismo seja igual a qualquer arbitragem. Ele tem uma característica que deixa as pessoas um tanto chateadas: é o fato de o ingresso ter um preço oficial. Diferentemente de ações ou imóveis, o produtor do evento define um preço, e as pessoas se sentem frustradas ao terem que pagar um preço maior. Essa insatisfação aumenta com o entendimento falso, mas comum, de que cada produto tem um valor intrínseco, ou um valor "justo". É preciso entender que, por exemplo, um show da Taylor Swift não tem um valor único. Para alguém que não é fã, pode ser até um desprazer estar no meio de uma multidão agitada para ouvir a cantora. Já para os fãs de carteirinha, pagar mil reais para realizar um sonho parece até pouco. A interação das milhões de valorações diferentes vão acabar convergindo para um preço único, que não é moralmente inferior ou superior. Nenhum preço é mais ou menos moral, mesmo que tenha sido definido pelo produtor do evento, pois, na verdade, essa valoração é sempre subjetiva e individual.
Ainda assim, mesmo entendendo todo o fundamento econômico da coisa, você pode estar se questionando. É horrível estar horas numa fila e não conseguir comprar o seu ingresso porque cambistas se adiantaram e compraram tudo antes. É verdade, ninguém gosta de estar nessa situação. Seria possível então haver eventos livres de cambistas? A resposta é que sim, com certeza é possível. No entanto, há formas certas e erradas de fazer isso.
Criar uma lei para criminalizar o ato pacífico de comprar e revender ingressos é, definitivamente, a forma errada. Se ninguém está ferindo a propriedade privada de ninguém, não há crime real acontecendo. Os direitos do homem são naturais, então tintas impressas em papéis por políticos, chamada de legislações, não podem transformar qualquer ação em crimes de verdade. O cambista é só uma pessoa que faz trocas voluntárias, sem ferir a ninguém, e ele acaba ajudando os realizadores do evento a entenderem a oferta e demanda de seus shows, como explicamos.
Além disso, o mercado negro ri de orelha a orelha quando coisas são proibidas, pois ele continua funcionando a todo vapor em muitos casos - basta lembrarmos da proibição de comércio de certas drogas ou de armamentos. Quanto mais o governo reprime algum tipo de comércio, mais organizações violentas, com poder de enfrentar a polícia, assumem a atividade comercial. Não se espante se com o aumento da repressão ao cambismo, os jovens começarem a ir até em biqueiras ou bocas de fumo para comprar ingressos de seus cantores favoritos - a coisa poderá piorar.
Caso uma empresa queira combater o cambismo em seu evento, há duas formas diretas de fazer isso. Uma é simplesmente aumentar o preço dos ingressos. Ao fazer isso, o risco do cambista aumenta muito, pois a chance de ele conseguir revender o ingresso por um bom preço diminui. Quem já chegou atrasado a algum show já deve ter visto cambistas vendendo ingressos abaixo do preço oficial, para minimizar o seu prejuízo. No entanto, às vezes as empresas escolhem não fazer isso de forma proposital. Ao vender o ingresso a um preço abaixo do que seria natural, ela garante 100% de ocupação, e consegue ter previsibilidade da receita, o que facilita o planejamento do evento. Ou seja, ela transfere o risco de não vender ao cambista, que presta o serviço de garantir a ocupação completa.
Outra forma de evitar cambismo é vender ingressos nominais. Assim como em passagens aéreas, os ingressos podem ser atrelados ao comprador, sem a possibilidade de transferência. Isso resolve o problema. Ainda assim, empresas podem escolher não fazer isso, pois se o ingresso não pode ser repassado, o cliente só vai comprar se tiver certeza de poder ir, o que desincentiva a compra antecipada. E também há o fato de que será preciso controlar a identidade das pessoas na porta, o que pode gerar fila para os consumidores e custos para o produtor; isso tornaria a realização do show algo mais burocrático e penoso.
Percebemos, então, que evitar o cambismo é uma escolha do produtor do evento. Se você não gosta dessa prática, deixe claro isso para os produtores de evento. As pessoas não percebem o seu poder de influenciar o mercado. Se os consumidores pressionarem as empresas para que façam ingressos nominais, ou aumentem o preço oficial, elas naturalmente responderão à demanda, sem precisar do papai estado intervir. O importante mesmo é deixar políticos fora disso, pois eles são inúteis e só pioram a situação. Eles sempre vão usar a coerção estatal e força de polícia para controlar a população, mesmo que essas pessoas estejam atuando de forma pacífica. Os problemas são resolvidos perfeitamente pelo livre mercado, sem a necessidade do autoritarismo estatal que é apenas uma arma para os fracos e ignorantes.
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/12/07/ingressos-do-maracana-que-deveriam-ser-dados-a-pessoas-pobres-alimentam-esquema-de-cambistas-veja-flagrante.ghtml
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2289740
https://scc10.com.br/politica/projeto-que-amplia-punicoes-para-cambistas-e-aprovado-na-camara/
https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/04/24/lei-taylor-swift-camara-aprova-projeto-anti-cambista-que-coibe-pratica-em-shows-e-eventos-esportivos.ghtml