O Zimbábue acaba de anunciar sua nova moeda lastreada em ouro: a ZiG - Zimbabwe Gold. Será que desta vez vai dar certo?
O Zimbábue é assolado por uma crise econômica que já dura mais de 20 anos, passando por hiperinflações ao longo desse tempo, uma delas chegando a 25.000%. Essa deterioração do poder de compra da moeda levou o governo a imprimir a nota de dinheiro de maior denominação da história: a de 100 trilhões de dólares zimbabuanos.
Devido a essa hiperinflação, a população acabou rejeitando a moeda local e preferindo utilizar o dólar americano e outras moedas.
Contudo, em 2019, o governo tentou reintroduzir o dólar do Zimbábue, mas sem sucesso, pois em 2020, no ano da pandemia, a inflação chegou a 785%, e estando agora em abril de 2024 em 55%.
Quem recebe o salário na moeda local costuma converter o dinheiro em casas de câmbio no dia do pagamento para evitar uma nova desvalorização.
Além da inflação, os cerca de 15 milhões de habitantes são afetados pela pobreza generalizada, as altas taxas de desemprego e pela escassez de alimentos, combustíveis e medicamentos.
Com a implementação da nova moeda, espera-se restaurar a estabilidade de preços e cambial.
As novas medidas de política monetária têm vários objetivos. Entre eles alcançar uma moeda estável e sólida, uma taxa de câmbio estável e sustentável, uma política robusta, credibilidade e restauração na confiança do mercado, e uma macroeconomia estável e sustentável até 2030.
Dentre as principais medidas para atingir esses objetivos estão a adoção de um sistema de taxa de câmbio determinado pelo mercado. Além da introdução de uma nova moeda estruturada, e o ancoramento da moeda local em reservas lastreadas por ouro e por moedas estrangeiras.
Isso significa que o banco central só poderá emitir notas de dinheiro quando estiverem completamente lastreadas por essa reserva de dinheiro ou ativos. Logo, essa moeda será plenamente conversível na moeda de reserva sob demanda.
Ou seja, em tese, isso significa que a moeda terá lastro, e caso o detentor do Zimbábue Gold queira trocar sua cédula por outras moedas ou até mesmo por ouro, haverá reservas para isso. O Reserve Bank do Zimbábue terá que honrar com o pedido de saque.
Segundo os cálculos do próprio Reserve Bank, na data de anúncio da nova moeda, o banco possui uma reserva em 100 milhões de dólares em espécie e de 2,522 Kg de ouro (o equivalente a 185 milhões de dólares). Para lastrear toda a moeda local em moedas de reserva, que no momento atinge o montante de 2,6 trilhões de Zimbabwe dólar, e para lastreá-la 100%, é necessário apenas 90 milhões de dólares. Portanto, todas as reservas de ouro e moeda estrangeira que estão em seus cofres, representam mais de 3 vezes o total da moeda local sendo emitida.
A política de gestão da oferta monetária do Banco Central do Zimbábue quer garantir que o crescimento da reserva de dinheiro esteja contido dentro dos limites do crescimento das reservas de ouro e das moedas estrangeiras. Além disso, o banco central manterá uma política monetária rígida para garantir a sustentabilidade dessa âncora monetária. Isso significa que a gestão eficiente da liquidez da oferta monetária irá descontinuar todas as atividades quase-fiscais, e irá alinhar as taxas de juros com taxas de juros positivas reais, bem como a expectativa de taxa de câmbio.
Na prática, isso quer dizer que o banco central não vai mais financiar o governo, monetizando a dívida ou imprimindo dinheiro para que o governo possa gastar à vontade. Foi exatamente esse tipo de política que acabou dizimando o valor do dinheiro e o poder de compra da população, assim como acontece em todos os países do mundo, num grau de maior ou menor escala.
Enfim, não se pode negar que o ambicioso plano do Zimbábue de implementar uma nova moeda com lastro é uma ideia muito melhor do que manter a atual política monetária praticada no país.
No entanto, um ponto a se destacar é que parte desse lastro está sendo ancorado em moedas estrangeiras, potencialmente o dólar, e que mesmo sendo, por enquanto, a principal moeda de reserva mundial, vem se depreciando ao longo dos anos. Justamente pelo mesmo problema cometido pelo Zimbábue: a impressão desenfreada de dinheiro.
Nesse contexto, a melhor opção seria se o Zimbábue mantivesse seu lastro apenas em ouro, e mesmo assim com ressalvas, pois, assim como o papel-moeda, o ouro é um ativo que também pode ser falsificado.
Na antiguidade, uma moeda declinava quando era comprovada a falsificação e adulteração dos metais utilizados na cunhagem. A inflação foi um dos maiores inimigos do Império Romano. Os imperadores tentavam transformar ferro em Ouro, como não conseguiram, simplesmente obrigavam a população a usar o dinheiro cunhado pelo Império. Durante o processo de cunhagem, adicionava-se outro metal junto ao Ouro ou Prata para aumentar o peso da moeda e diluir o metal mais caro. Com isso, a moeda foi perdendo poder de compra e caindo em descrédito por conta da inflação.
Ainda vale lembrar, que ao longo da história, todos os países que tiveram suas moedas usadas como moeda de reserva mundial por outros países, deixaram de ter esse status, e foram substituídas por outra moeda.
De 1400 pra cá, 6 moedas foram usadas como reserva de moeda mundial. Dentro desse período, a primeira a ter esse status de moeda de reserva mundial foi a moeda portuguesa. A coisa mudou quando aconteceu a batalha de Alcácer Quibir, quando os portugueses liderados pelo rei Dom Sebastião fizeram uma campanha militar em apoio ao Sultão Mulay Maomé, que buscava ajuda para recuperar o trono de Marrocos.
A batalha resultou na derrota portuguesa, no desaparecimento do rei durante a batalha, e no aprisionamento da casta nobre portuguesa. O reino de Portugal ficou severamente empobrecido devido aos custos da batalha, e pelos resgates pagos para reaver os nobres mantidos em cativeiro, levando Portugal à crise dinástica de 1580.
Como resultado dessa crise, Portugal perdeu a independência, tornando-se parte da União Ibérica, e a credibilidade da moeda, dando lugar ao escudo, a moeda espanhola, que passou a ser a moeda de reserva mundial.
Em 1595, iniciou-se a guerra luso-holandesa, que durou até 1663, resultando na queda e endividamento da União Ibérica, e, consequentemente, na ascensão da moeda holandesa, que passa então a ser a nova moeda de reserva mundial.
Diversos conflitos entre Holanda e França, incluindo a guerra Franco-Holandesa, que ocorreu entre 1672 a 1678, acarretaram no endividamento de vários países europeus, forçando-os a usar a moeda francesa como reserva mundial. O desfecho se deu com a França sendo considerada a grande potência militar europeia
Entre 1756 a 1763 ocorreu a guerra dos sete anos, entre França e Grã-Bretanha, com a França sendo derrotada, e dessa vez, a libra esterlina passando a ser a moeda de reserva mundial.
Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra, estando praticamente falida e sem ouro para pagar suas dívidas, decide acabar com o lastro de sua moeda ao ouro. A impressão de dinheiro sem lastro para pagar as contas, acabou destruindo a credibilidade da libra esterlina como moeda de reserva mundial.
Em 1945 ocorreu o acordo de Bretton Woods, criando propostas definidas entre Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental e Austrália, entre outros 44 países, quando ficou definido que o dólar seria a moeda de reserva mundial. O dólar seria lastreado ao ouro, resgatando, portanto, a confiança numa nova moeda que serviria como reserva mundial.
Em 1971, o então presidente dos EUA, Richard Nixon, decide, de forma unilateral, acabar com o lastro do dólar no ouro. O motivo disso é o mesmo das vezes anteriores: a Potência econômica da vez começa a se endividar devido a conflitos militares e econômicos e tenta resolver o problema retirando o lastro da moeda. A consequência direta foi a perda da credibilidade do dólar junto aos outros países que usam essa moeda como reserva.
Mas, você consegue perceber as semelhanças entre os motivos que levaram essas moedas a serem selecionadas como reserva mundial, e os critérios que as levaram a perder esse status?
Em todos os casos até aqui citados, podemos notar que todos esses países tinham uma alta reputação mundial por, além de possuírem grande poderio militar, ser a principal potência econômica da época, vendendo mercadorias para todos os outros países.
Conforme esses outros países compravam essas mercadorias, eles se endividavam com essa potência econômica. Para poder pagar por essas dívidas, sem o risco da volatilidade, todos esses países precisavam ter suas reservas na moeda daquele país potência a quem eles deviam dinheiro. A condição era que o país potência assegurasse alguma espécie de lastro confiável na sua moeda.
Isso naturalmente leva a moeda do país que for potência econômica a ser reserva mundial, sendo a de maior quantidade nas reservas dos outros países, pois eles precisam ter essa moeda para pagar as dívidas.
Entretanto, podemos notar, também, que em determinado momento da história, esse país que é potência econômica acaba se envolvendo em conflitos militares e econômicos, o que o leva a um grande endividamento, afinal, guerras custam caro.
Sem condições de pagar toda essa dívida gerada pelos conflitos, uma vez que o país em questão não tem prata e ouro suficiente, ele retira o lastro da moeda nesses metais escassos, e assim pode imprimir dinheiro sem qualquer lastro. Mas isso tem uma consequência, a perda da credibilidade dessa moeda como moeda de confiança para reserva mundial.
Desse modo, chega-se ao final desse ciclo, até que ele se reinicia, quando uma nova moeda é selecionada como reserva mundial e o lastro em algo escasso é restaurado.
A partir do momento que o país, considerado potência econômica da vez, retira o lastro no ouro e começa a imprimir moeda, a reserva dos outros países se deprecia, deixando-os cada vez menos ricos. Portanto, eles não podem confiar suas reservas a essa moeda altamente inflacionável.
Afinal, como confiar suas reservas a uma moeda que pode perder seu valor no momento em que o país, detentor dessa moeda, ligar sua impressora?
Atualmente, o endividamento dos EUA é impagável, a dívida já ultrapassa os US$ 34 trilhões, e a única solução para esse problema é selecionar outra moeda ou ativo como reserva. Mas o ideal é que seja um ativo escasso como o Bitcoin e que traga a segurança de não poder ser inflacionado ao bel-prazer do político no poder.
No atual cenário, as opções são muito limitadas, com os países podendo até considerar a China como a potência econômica da vez. Devido ao gigante asiático ser o maior exportador do mundo atualmente, muitos países tem suas dívidas com ela.
No entanto, a China, diferentemente dos EUA, não possui uma boa reputação mundial. É nesse momento que percebemos (e os países também deveriam perceber) que uma moeda sem um controlador se torna superior a uma moeda onde o controlador não é confiável.
Nesse cenário o Bitcoin se torna a melhor opção viável. Por mais que os países possam detestar a ideia de abrir mão de controlar suas próprias moedas, e ter que adotar uma moeda descentralizada, essa opção acaba sendo melhor do que deixar o controle de suas reservas na mão de quem não se confia.
A queda do dólar como reserva mundial é apenas uma questão de tempo. Pouco a pouco ele terá que ser substituído por uma moeda que restaure o lastro em algo escasso.
E é nesse sentido que o Zimbábue deveria seguir, lastrear sua moeda totalmente em um ativo realmente escasso, isento de fraudes, e que tenha um sistema transparente que qualquer um consiga checar.
Caso contrário, continua sendo uma moeda lastreada na confiança de políticos, na promessa de que o governo vai cumprir com suas metas e vai manter os estoques de ouro na mesma quantidade que emite suas cédulas.
De toda forma, é interessante ver, depois de tantos anos, um país adotando novamente o padrão ouro. Se vai dar certo, e por quanto tempo dará, só o tempo dirá.
https://youtu.be/6iwuy4mtDHY?si=bQfJEE3HTZpW40yp
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2024/04/05/zimbabue-adota-nova-moeda-para-combater-hiperinflacao.htm
Como o dólar virou a moeda dominante na economia mundial – Investificar
https://youtu.be/fMfQr4jU7w0?si=A5I-KpEBab4MKDpG
https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Alc%C3%A1cer_Quibir
https://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_de_sucess%C3%A3o_portuguesa_de_1580
https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Ib%C3%A9rica
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Luso-Holandesa
https://es.wikipedia.org/wiki/Guerra_franco-neerlandesa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_dos_Sete_Anos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods
https://www.seudinheiro.com/2024/internacional/e-agora-biden-a-divida-nacional-dos-eua-esta-aumentando-em-us-1-trilhao-a-cada-100-dias-diz-governo-norte-americano-miql/
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