Como COMBATER o RACISMO?

Palavras não agridem, mas seu potencial ofensivo não é algo irrelevante.

As ofensas racistas sofridas pelo jogador de futebol Vinícius Júnior, apontado por muitos como sucessor de Neymar como protagonista da seleção brasileira, são do conhecimento até de quem não acompanha o esporte. E, sinceramente, nenhuma pessoa honesta, que não cometeu nenhum crime, merece ser alvo de tamanho ódio. É cruel ser obrigado a ver um boneco, uma clara representação de si, pendurado em uma forca acompanhado de uma frase “Madrid te odeia”. Então, por favor, sem esse papo de que é vitimização por aqui.

O racismo na Espanha é algo de certa forma institucionalizado. Antes de colonizar a América e ser um dos países a mais se utilizarem de mão de obra escravizada africana, a Espanha permaneceu por quase 700 anos sob domínio dos mouros, de origem árabe. Há quem diga que árabes não são negros e que essa afirmação de racismo reverso não se justifica, ignorando que o próprio uso da expressão "racismo reverso" é racista, por supor que a ofensa sempre parte de um grupo específico para outro. O fato é que existe sim um resquício de ódio contra pessoas, digamos, não-brancas na Espanha. Esse ressentimento se exacerbou com a ditadura de Francisco Franco, que guardava semelhanças com a ditadura bigodista, aquela mesma lá da Alemanha que você conhece, em termos de discurso eugenista. Mas ao contrário do líder do bigodismo Adolf, morto após o fim da Segunda Guerra Mundial, a ditadura franquista durou até os anos 70, e sua influência respinga até hoje.

A própria torcida do Real Madrid, time pelo qual Vinícius Jr. joga hoje, tem um histórico desfavorável nesse sentido. O goleiro nigeriano Wilfred Agbonavbare (nota ao narrador: lê-se "agbonavibér"), contratado pelo Rayo Vallecano em 1992, foi um dos maiores alvos de racismo da história da La Liga, tanto que a torcida de seu próprio clube teve que expulsar os racistas para poder lhe demonstrar apoio. Em 1993, o Real Madrid era favorito ao título, mas em um jogo contra o Rayo, o goleiro nigeriano fez uma partida histórica, proporcionando a vitória do seu time por 2 a 0. No jogo de volta, em pleno Santiago Bernabéu, o goleiro nigeriano defendeu um pênalti e garantiu a vitória por 1 a 0, fazendo com que o Real Madrid fosse ultrapassado pelo Barcelona na tabela e perdesse o título. Esse fato despertou o ódio da torcida merengue, que o hostilizava nos jogos com gritos de "Ku Klux Klan" e "Negro, cabrón, vá colher algodón". Wilfred nunca respondeu aos insultos porque mantinha o desejo de jogar no Real Madrid, que acabou nunca se realizando. Ele teve um final de vida triste como carregador de malas em um aeroporto e morreu de câncer aos 48 anos.

Voltando à questão do racismo, alguns libertários relevantes como Walter Block, autor de “Em defesa da Discriminação” (ainda sem versão em português) argumentam que os racistas não teriam que receber punição alguma, pois a liberdade de expressão deve ser sempre absoluta.

Um dos pontos necessários para o aprofundamento da discussão sobre a ética libertária é reconhecer suas limitações. Em uma sociedade libertária, ainda restariam várias questões que dependeriam de uma jurisdição para serem resolvidos, só que no caso seria uma jurisdição privada. Por exemplo: em qual idade uma pessoa passa a responder por seus atos? Posturas socialmente reprováveis, porém, não agressivas, são passíveis de punição? Se sim, qual o critério? Todas essas questões hoje são reguladas por critérios arbitrários, definidos por burocratas estatais que têm pouco ou nenhum envolvimento com os problemas abordados. Uma sociedade libertária teria uma concorrência entre tribunais privados o que levaria a optar pelas leis que agregariam maior valor à sociedade ou satisfizessem um maior número de pessoas.

Outra questão polêmica que envolve esse assunto é se existe um limite da liberdade de expressão. Embora alguns libertários defendam a liberdade de expressão absoluta, até mesmo Hans-Hermann Hoppe se opôs a isso em seu livro “Democracia, o Deus que Falhou”:

“Em um pacto celebrado entre o titular e os inquilinos da comunidade com a finalidade de proteger as suas propriedades privadas, não há algo como um direito de livre expressão, nem mesmo um direito de expressão ilimitada na propriedade de um inquilino.”

A lei positivada atual para punir injúrias raciais varia de país para país. O Brasil tem um lei específica para isso, a qual estabelece que ofender alguém por motivo de raça, cor, religião, origem, etnia, condição de pessoa idosa ou deficiência é crime inafiançável e imprescritível. A Espanha tem uma lei mais genérica, a qual criminaliza o crime de “ofensa” sem especificar o alvo, mas que ainda enquadraria os racistas que ofenderam Vinícius Júnior. Já nos Estados Unidos, essa conduta não seria criminalizada, pelo critério da liberdade de expressão absoluta estabelecido pela primeira emenda: “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de discurso, ou da imprensa”.

A despeito dos dispositivos legais positivados e sua eventual ineficiência, de certa forma, deslizes no discurso socialmente aprovado já são punidos pelo mercado e isso é bastante eficiente. Reputação de pessoas expostas é algo precificado. No Brasil, lembremos do caso do Flow podcast, quando um Monark fez alegações supostamente bigodistas, tendo sido matéria até do Jornal Nacional e condenado ao ostracismo. Não é à toa que hoje Monark está nos Estados Unidos sofrendo com censura de seus conteúdos online pela justiça brasileira. Outro caso emblemático foi o de Greg Glassman, fundador do Crossfit. Quando o Institute for Health Metrics and Evaluation classificou o racismo como questão de saúde pública, Glassman ironizou em um tweet dizendo: “É FLOYD-19”. Para quem não se lembra, George Floyd foi aquele jovem negro assassinado por um policial que o asfixiou pressionando o joelho em seu pescoço na cidade de Minneapolis. Após os Crossfit Games amargarem milhões por retirada de patrocinadores, Greg Glassman perdeu a posse da própria marca.

Diante desses episódios lamentáveis, é interessante lembrar o que explicou Milton Friedman em “Capitalismo e Liberdade”: preconceito é burrice do ponto de vista econômico. Discriminar uma pessoa por uma característica irrelevante pode nos fazer dispensar o melhor empregado, o melhor prestador de serviço ou o melhor cliente. Há uma história interessante sobre isso envolvendo a Pepsi e a Coca-cola no século XX. Por décadas a Coca adotou o discurso segregacionista do governo americano e se recusou a vender seus produtos para negros. Aproveitando-se disso, a Pepsi lançou uma campanha de marketing voltada para o público negro praticamente imbatível, o que influenciou o movimento pelos direitos civis dos negros e levou a Pepsi ao sucesso que vemos hoje. Tratamos dessa história em detalhes em um vídeo aqui do canal que infelizmente foi apagado após um strike que recebemos do youtube. Mas ele ainda está disponível nas plataformas alternativas, confira o link aqui na descrição.

Alguns críticos do anarcocapitalismo imaginam que uma sociedade sem estado seria uma sociedade libertina, na qual todo mundo poderia fazer o que quisesse desde que não agredisse ninguém. Mas uma observação do mundo como é hoje já desafia essa afirmação. As pessoas costumam se comportar melhor dentro de um shopping do que na rua. Primeiro, porque existe uma vigilância ostensiva em um espaço privado, mas também pela percepção de que aquele espaço tem dono.

Outra crítica atribuem uma certa ingenuidade aos libertários, ao confiarem que o mercado resolve tudo. Na verdade ninguém acredita nisso, pois o mercado nada mais é do que interação entre humanos, e seres humanos são falhos. Mas podemos responder com outra pergunta: qual tem sido o desempenho do estado na resolução de conflitos? Tal como no Brasil, existe um ministério da igualdade na Espanha, e o desempenho tem sido semelhantemente ruim. Embora nosso caso seja mais vergonhoso, porque havia uma racista dentro do próprio ministério, né não Marcelle Decothé? Como explica Renato Amoedo, conhecido nas redes como Trezoitão, uma sociedade com uma moeda lastreada e com interações econômicas não coercitivas teria mais estímulos para um bom comportamento, porque como já explicamos, reputação é algo precificável. Além disso, um mercado de leis privadas teria incentivos para apresentar resultados, ao contrário dos serviços estatais, os quais levam vantagem em apresentar ineficiência para demandar mais recursos roubados.

Enquanto estamos sujeitos aos desígnios de legisladores semianalfabetos, fica meu recado aos liberteens: não sejam babacas de atribuir vitimismo a qualquer pessoa ofendida. Apesar de eu ser ateu, existe um conceito bíblico muito útil: nem tudo que é permitido é conveniente. Situações como essa que Vinícius Jr. passou são absurdas e devemos sim nos posicionar contra isso.

Referências:

"Como combater a segregação racial: uma lição do mercado" https://odysee.com/@ancapsu:c/como-combater-a-segrega-o-racial-uma-li:d
História de Wilfred Agbonavbare: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/18/deportes/1574039533_904366.html

Por que existe racismo no futebol espanhol: https://www.youtube.com/watch?v=F2wMYqpkJk8

Em defesa da discriminação, de Walter Block (em inglês): https://cdn.mises.org/The%20Case%20for%20Discrimination%20Walter%20Block_2.pdf

Post racista do fundador do Crossfit: https://exame.com/negocios/a-crise-da-crossfit-apos-tuite-racista-do-fundador-sobre-george-floyde/